Homenagem para Eugênio Noll Na foto na década de 1950 em excursão para SC |
Um homem de família, de uma família chamada Estrela
Vivemos um mundo em que as pessoas, progressivamente, têm-se voltado apenas para os filhos e outros entes mais próximos, esquecendo-se assim do espírito público fundamental para a construção de nossas comunidades. Vivemos um tempo em que a corrupção e o jeitinho, evidentes nos políticos, também têm feito parte das nossas relações diárias. Quem ainda doa parte do seu tempo para ações em prol de sua cidade, de seu país? Quem cumpre leis, como as de trânsito, não apenas para evitar a punição, mas por julgar isso o certo a fazer? Em tempos assim, a lembrança do nosso saudoso Eugênio Noll permite uma reflexão sobre alguns dos verdadeiros valores que devemos cultivar.
Seu Eugênio, todos sabem, dedicou boa parte de sua vida à rodoviária da cidade que adotou como sua. Desde 1951, religiosamente, "abria os portões" de sua Princesinha do Vale às 4h30min quando passava a preparar o chimarrão, então repartido pelos muitos amigos, que lá iam prosear sobre os causos daquela cidade tão amada por eles. Ali, entre uma passagem, uma encomenda e um "Boa viagem!", esse homem de acordes poderosos ajudou a moldar uma família chamada Estrela.
Como neto, posso dizer - sem qualquer tipo de amargura e com muito orgulho - que o vô Eugênio sempre olhou para cada um dos estrelenses que passavam por sua segunda casa com o mesmo carinho com que olhava para seus familiares. Via a todos como netos, filhos, irmãos, como membros queridos de sua grande família. Às velhinhas das colônias, que chegavam assustadas à "cidade grande", dava toda a atenção, explicando-lhes, obviamente em alemão, como se portar naquela "selva de pedra".
À gurizada que com ele trabalhava e de quem, por mais de 50 anos, foi o primeiro patrão, dava o mesmo tratamento que deu aos filhos e netos, sendo exigente, por vezes, até ríspido, mas sempre preocupado em ajudar a forjar seus caracteres. Ensinou-nos a agir com honestidade, a respeitar e não querer tirar vantagem de quem quer que fosse, amigo ou desconhecido.
Apesar de quase não sair do balcão de vendas de passagens, viveu profundamente outras esferas da vida pública de Estrela. Nunca exerceu um cargo político, mas a política o apaixonava. Gostava muito dos processos democráticos e nunca se ausentou de cumprir seu dever de escolher nossos governantes (mesmo quando a idade não mais lhe obrigava e a tecnologia do "verde-confirma" lhe causava alguns problemas). Além disso, desde os anos 30, dedicou seus momentos de lazer a ajudar a estruturar o Estrela Futebol Clube, primeiro, como um temido "center-half", depois, como um cartola atuante e apaixonado.
Como dirigente, foi-me dito mais de uma vez no dia do velório, esquecia o seu lado pão-duro e investia pesado nos vários craques que, à época, em fumaceiras históricas, goleavam o Lajeadense e enfrentavam de igual para igual os famosos da dupla Grenal. (Como nota folclórica, vale dizer que ele rivalizava tanto com Lajeado que, atualmente, apesar do crescimento evidente percebido no Além-Taquari, ainda contava que Estrela tinha o trevo de acesso mais bonito; e que, em seu último ato de lucidez, no domingo à noite, ainda usou o resto de suas forçar para, via radinho de pilha, dar uma última secada no Lajeadense, seu eterno e sadio adversário.)
É claro, ter vivido das 4h30min às 18h de domingo a domingo dentro da rodoviária e ainda ter dado toda essa atenção ao Estrela F. C. tem o seu preço. Quando ia aos almoços de domingo, tinha hora marcada para voltar ao seu posto, a final de contas "Domingo era dia movimentado!". Assim, não estou aqui defendendo sua postura extrema. Certamente, muitas vezes, sentimos a sua falta.
Contudo, até em relação a isso, ele sabia que, para preencher tal lacuna, tinha uma pessoa absolutamente incrível ao seu lado: sua companheira de mais de seis décadas, a vó Semilda. Ela, com todo o seu carinho e a sua preocupação em preservar o núcleo familiar, soube nos manter unidos, soube cultivar em todos o enorme desejo de entoar um "Oh, Tannenbaum!" em cada véspera de Natal. Muito obrigado, vozinha! Sem a tua participação decisiva, essa bela história aqui relatada não teria acontecido.
Dito isso, não estou defendendo aqui que todos nós devamos ter uma vida tão dedicada à cidade como a levada pelo seu Eugênio. (Como disse, essa postura só é virtuosa se há uma dona Semilda a completá-la.) Por outro lado, quero usar essa reflexão para lembrar que existiram - e, tenho certeza, ainda existem - pessoas que perceberam que a dedicação à sua comunidade é algo de enorme valor, é algo que dá um sentido importante às nossas vidas, é algo, inclusive, que nos faz imortais. Finalizo, em nome da Família Estrela, deixando aqui registrado ao nosso eterno avô, pai, irmão "um muito obrigado... e uma boa viagem!"
Por Gabriel - Neto de Eugênio Noll
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